Fique em casa: um novo olhar para essa necessidade
Por: Glaucio Gonçalves
Ao longo de minha carreira, eu sempre procurei passar aos meus clientes o conceito de que “a nossa casa é o melhor lugar do mundo para se estar”. Hoje, diante da realidade que estamos enfrentando com a propagação do novo coronavírus e, consequentemente, com a necessidade do isolamento social, ficar em casa se tornou uma necessidade vital.
“Fique em casa!”. Esta tem sido a frase mais falada, ouvida e escrita no mundo todo. Na visão de um arquiteto, esse retorno para dentro de casa me leva à mais legítima certeza de que criar ambientes aconchegantes, acolhedores e com a cara de seus moradores foi o grande legado que construí durante toda minha carreira.
Ao desenvolver projetos, procuro pensar na importância do sentido mais comum de “casa” – que significa um conjunto de paredes, cômodos e teto construídos pelo ser humano com a finalidade de constituir um espaço de habitação para um indivíduo ou conjunto de indivíduos para que estejam protegidos de fenômenos naturais, como chuva, vento, calor e frio etc., além de servir de refúgio contra ataques de terceiros. (Fonte: Wikipedia)
Mas indo muito além desse conceito, nós, arquitetos, procuramos entender cada universo de cada cliente para criar um ambiente que ele pode chamar de “sua casa” e que tenha a “sua cara”.
Ao longo dos últimos anos, por trabalhar muito com casas, vinha percebendo que o “ficar em casa”, para muitos, resumia-se a chegar do trabalho depois de uma longa jornada, tirar a roupa, o sapato, cumprimentar filhos e esposa, tomar um banho, jantar, conversar um pouco com todos e se preparar para dormir para um próximo dia de trabalho. O sábado se tornou um dia para compras e restaurantes, e o domingo, para alguns, o dia de descanso; mas também, de grande parte, ficar longe de suas casas, voltando apenas a noite para se preparar para mais uma semana que ia se iniciar. Para muitos solteiros, apenas a parte de cumprimentar e conversar com filhos e esposa não acontece, mas, no geral, acaba sendo muito parecido.
A casa se resumia no nosso refúgio de descanso, onde temos nossa privacidade e onde a parte mais significativa de nossa vida pessoal se desenrola. Apesar da modernidade ter nos afastado de nossas casas, por conta de vivenciar longos períodos do dia trabalhando, recreando-se ou circulando pela cidade, a nossa casa sempre foi considerada uma referência à ideia de “família”.
De repente, tudo mudou. Não estamos chegando e nem saindo de nossas casas, mas sim ficando de uma forma como nunca tínhamos ficado antes, e a referência de família se tornou infinitamente maior.
Por conta do fenômeno da pandemia que impactou o mundo todo, nossa casa, que antes era apenas um local de descanso e privacidade, tornou-se agora nosso escritório, nossa academia, o playground, a escola para as crianças, o bar para o happy hour, o restaurante dos finais de semana. Tudo isso acontecendo em alguns metros quadrados apenas entre os moradores da casa, seja uma família ou uma pessoa que vive sozinha. Quantos papéis assumiu a nossa casa agora, hein?
Por trás do comando “fique em casa” existe o medo que todos estão sentindo diante de uma ameaça invisível. Essa frase nos remete à sensação de que esse mau ficará do lado de fora de nosso castelo, se tomarmos todos os cuidados recomendados. Caso contrário, ele poderá invadir a nossa casa.
Nesse vasto universo, há pessoas que até hoje não tinham a mínima ideia do que é “ficar em casa”. Há aquelas que já estão reclamando que não aguentam mais esse confinamento. Outras, que reclamavam daquela casa de campo ou praia que ninguém ia, ou mesmo que era um desperdício, e que agora a primeira coisa que fizeram foi justamente se proteger nessas segundas casas. Também há pessoas que reclamam que o lugar onde moram é muito pequeno, que tem muito barulho na rua, e nem sabiam. O fato é que seja lá como for, a “casa” virou o refúgio de todos e “o melhor lugar para se estar”. A vida, realmente, é uma roda gigante.
É certo que essa pandemia vai mudar radicalmente nossa forma de viver e olhar para nossa casa a partir de agora. Essa experiência nos obrigou a olharmos para dentro de nós e enxergarmos as sombras que nos incomodam, nos levando, queiramos ou não, a iniciar um processo de autoconhecimento. O momento é de jogarmos luz sobre essas sombras para que possamos sair muito melhor do que entramos nessa prova de fogo.
Do mesmo modo, é certo que vamos despertar para um olhar especial a cada ambiente, cada detalhe, cada canto de nossa casa, pensando em maneiras se torná-la mais bonita, mais aconchegante, mais acolhedora, pois, no final das contas, nossa casa ganhou um status de “santuário sagrado”, capaz de nos proteger desse mau invisível.
Proponho que, ao fim desse confinamento, cada um de nós faça um ritual muito pessoal, agradecendo à nossa casa pela proteção que ela nos proporcionou, e, simbolicamente, ofereça a ela algo especial, mesmo que seja uma simples pintura nova.
Tenho plena confiança de que, ao término dessa crise, vamos nos conhecer melhor e, mais que tudo, teremos um novo olhar para nossa casa, com a certeza de que ela continuará sendo “o melhor lugar do mundo para se estar”.