Artigo – Sustentabilidade e o mercado imobiliário: o que mudou nos últimos 10 anos?
Por: Glaucio Gonçalves
Pegando como referência os últimos 10 anos, o que mudou com relação ao impacto causado pelos Resíduos de Construção e Demolição (RCD)? Para se ter uma ideia, em 2008, em outro artigo que escrevi sobre esse mesmo tema, publicado naquele ano no jornal O Estado de S.Paulo, ficou registrado que no contexto daquele período o desperdício era de aproximadamente 50% dos materiais de construção, sendo que 25% se transformavam em resíduos e 25% eram utilizados para a recuperação da geometria do edifício.
Pouca coisa mudou de lá para cá. E os canteiros de obras continuam sendo os maiores responsáveis pelo aumento do volume de resíduos e pelos impactos que causam ao ambiente – e uma das principais razões é que continuam sendo despejados em lugares inadequados.
Porém, desde 2011, quando foi criada a Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição – Abrecom, a entidade vem se posicionando como representante do setor de reciclagem de entulho no aperfeiçoamento de projetos, leis e programas, visando reutilizar e reciclar o RCD gerado. Vale destacar que houve uma aceleração no surgimento de usinas de reciclagem instaladas no país desde 2002, com a publicação da resolução nº 307 do Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente, que estabelece que os geradores passam a ser responsáveis pelos resíduos gerados. Em 2009, já existiam cerca de 48 usinas instaladas no país, e metade eram públicas, segundo estudo realizado por Miranda L.R.F, em 2009. Em 2010, é criada a Política Nacional de Resíduos Sólidos nº 12305 – um novo marco no setor de resíduos de construção, dando nova força à correta gestão e reciclagem de RCD.
Uma pesquisa desenvolvida pela Abrecom entre junho de 2014 e setembro de 2015, abrangendo 105 empresas que realizam atividades relacionadas à reciclagem de RCD, aterro de inertes e áreas de transbordo e triagem destaca que em cidades brasileiras de médio e grande porte, os resíduos originados de construções e demolições representam de 40% a 70% de todos os sólidos nas cidades brasileiras, cujo destino incorreto traz prejuízos econômicos, sociais e ambientais. A pesquisa alerta que, no Brasil, a disposição irregular desse material tem causado enchentes, perda de infraestrutura de drenagem por entupimento de galerias e assoreamento de canais, além da proliferação de vetores, poluição e do aumento desnecessário dos custos de administração pública. Em algumas cidades, ainda, esse material é depositado em aterros sanitários, procedimento que é considerado um desperdício duplo de dinheiro. E uma forma de se reduzir esses impactos negativos, segundo a Abrecom, é por meio da reciclagem de resíduos de construção.
Um exemplo a ser seguido é o Banco de Materiais de Construção, projeto da Fundação Gaúcha de Bancos Sociais. As sobras de materiais de obras de empresas da indústria da Construção Civil são as matérias primas deste Banco, que mantém uma perfeita estrutura de armazenamento e logística para receber doações, classifica-las e distribuí-las para as instituições do terceiro setor, comunidades carentes e famílias que vivem em sub-habitações, buscando minimizar as suas dificuldades. O Banco de Materiais de Construção recebe e distribui os mais diversos materiais, tais como: tintas, portas, janelas, vasos, telhas, pisos, azulejos, pias, materiais elétricos e hidráulicos, canos plásticos e galvanizados, vidros, cimento, brita, pontas de estoque etc.
Outra iniciativa que acabou se tornando referência nacional é a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) de Belo Horizonte, com ações para captação, reciclagem, informação ambiental e recuperação de águas degradadas, implantado desde 1993. Em 2003, o programa tinha duas estações de reciclagem que no mesmo ano processou aproximadamente 117.312 toneladas de RCD, e estava com outra unidade em fase de implantação.
Essas iniciativas mostram saídas para a solução de um problema tão grave que impacta diretamente o meio ambiente. Segundo a pesquisa da Abrecom, o Estado de São Paulo é o que possui o maior número de usinas de reciclagem instaladas, seja pela maior atividade de construção civil que gera maior volume de RCD ou por outros fatores, como o preço mais elevado de agregados naturais ou maior fiscalização quanto à destinação de RCD.
Mas a preocupação de ambientalistas não se resume a RCDs. Outros vilões engrossam as estatísticas de desperdícios e impactos sobre o meio ambiente, e a energia elétrica é um deles, já que o consumo em edifícios é crescente e essa questão se agrava desde o desperdício registrado na fase de construção, se estendendo à ocupação. Continuam se ressentindo desse círculo vicioso os rios, a fauna e a flora, e vamos deixar essa herança para as próximas gerações.
Parece redundante dizer isso, mas utilizar a ajuda de um engenheiro ou arquiteto é imprescindível nesse processo, pois além de terem a expertise para fazer um projeto da obra, traçam uma programação rigorosa de que materiais comprar, evitando desperdícios. Uma dica é estabelecer o espaço do canteiro e evitar mudanças, pois o deslocamento causa mais desperdícios ainda.
A arquitetura sustentável ainda é um grande desafio a ser perseguido, pois está diretamente relacionada à conscientização versus interesses do setor de construção civil. Conceitos como a utilização de sistemas de energia mais eficientes e menos poluentes são ignorados e nada é feito para controlar os abusos contra o meio ambiente. Aspectos mínimos não têm sido adotados, como processos de coleta e tratamento de água e esgoto, captação de águas pluviais, melhor qualidade de ar interno e conforto ambiental, coleta seletiva de lixo, redução de geração de resíduos etc. O fato é que esse cenário só vai mudar de verdade quando houver uma conscientização coletiva com o meio ambiente, pois a sustentabilidade tem como princípios básicos três questões: ambiental ideal, a social e a economicamente correta. Cada um de nós pode incorporar em nossas vidas um padrão de sustentabilidade inicial e perceber que, ao longo dos dias, semanas, meses e anos, esse mesmo processo já será um hábito. Mas isso ainda é um sonho a ser atingido!
Enquanto estiverem em primeiro plano interesses de construtoras e incorporadoras, preocupadas apenas em evitar perdas financeiras, o desperdício na construção civil continuará sendo uma ameaça ao meio ambiente. A grande vantagem de entender e trabalhar na direção de nossos ecossistemas é que podemos desfrutar as necessidades presentes sem comprometer a habilidade das gerações futuras em satisfazerem a si próprias. Esses conceitos mínimos, feitos em grande escala, não somente do lado de dentro dos empreendimentos, mas também fora dos portões farão com que nossos ecossistemas entendam que estamos trabalhando em sua direção e não contra eles.
Abordar, portanto, o desenvolvimento sustentável na construção civil é tornar imprescindível a utilização de aspectos mínimos para a sobrevivência não somente para as empresas, sob o ponto de vista do mercado, como também do compromisso social e de toda a humanidade.
Dessa forma, todos passarão a usufruir dos recursos simples e urgentes, o que dará uma nova realidade para a arquitetura e para a humanidade nos próximos anos. Temos que ser protagonistas deste grande cenário e transformar a sustentabilidade em uma escola de vida.
Foto | Fonte: Portal Brasil Engenharia